Uma caixa. Relatos. Era meio dia de um sábado. Uma tarde de inverno que chegava aos 25º graus. Tudo o que se tinha no início era uma faixa amarela com alguns dizeres, cartazes pelo chão em que eram rabiscados os primeiros argumentos. Pessoas de todos os gêneros e raças começaram a se reunir. Uma multidão. Uma só luta.

No calçadão da cidade, homens, mulheres e crianças se empoderam do movimento. Um carro de som e um microfone sem fio permitem que a luta tenha um pouco mais de voz. Em alguns instantes, ecoa um só grito ritmado. A cantoria acompanhada de palmas, apitos e tambores dão força às vozes que se igualam para retratar a indignação.

Em uma roda, a caixa foi aberta. Os relatos são lidos. Os gritos servem de apoio e de força para quem escreveu e para quem ainda está sufocada. Quem não foi curada do mal que lhe fizeram. Lágrimas de solidariedade e irmandades rolam. Escritos de pessoas anônimas que relatam momentos angustiantes de suas vidas.

“Com 13 anos de idade, ainda uma criança, passava horas em meu quarto. Lá eu me sentia segura. Tinha tudo o que gostava. Tinha um computador e minha câmera, por onde conversava com minha prima e amigos. Mas mesmo quando ela estava desligada parecia que alguém me olhava. E alguém me ohava ! Tive medo. Me calei…”

– ESTAMOS COM VOCÊ, ecoa a voz da multidão.

“Quando eu tinha 17 anos adorava me divertir. Tive um namorado que me acompanhava em todas as festas. Festas da faculdade em que ele frequentava. Festas dos amigos. A vida era uma verdadeira festa. Em uma dessas diversões acabei bebendo demais e o meu namorado se aproveitou, já não era mais meu companheiro…”

– A CULPA NÃO É SUA, dizem as vozes unificadas.

“Eu adorava enfrentar desafios da vida. Trabalhava em uma casa de família aos 21 anos de idade. Precisavam se mudar e achei que era uma oportunidade para conhecer novos lugares. Fui para longe. Não conhecia ninguém que não fosse daquela família e ela também não era a minha. Uma oportunidade? Achei errado. Caí em uma cilada. Meu patrão não sabia se portar como um homem. Era sujo. Fugi…”

– ESTAMOS NA LUTA, as vozes insistem.

“Era uma infância incrível. Eu tinha um pouco de dificuldade em algumas coisas, como em todos os momentos da vida temos, mas gostava de ir à escola. Com 7 anos eu não desejava mais nada. Passava horas brincando com as outras crianças sem me preocupar com nada. Tinha um parente que era bem próximo. Ele me machucou. Roubou minha infância. Tive medo…”

– VOCÊ NÃO ESTÁ SOZINHA!

Estes são relatos de mulheres que sofrem algum tipo de violência todos os dias. Mulheres que se reúnem para mostrar a força que têm e que a independência que buscam não é só financeira. Mas a liberdade de direcionar a própria vida da maneira que julga correto. Lutam porque existem pessoas que as reprimem violentamente no intuito de manter discursos conservadores. Lutam para que os argumentos de suas vidas não sejam conduzidos pelo medo.

Medo de homens que as violentam fisicamente, moralmente e psicologicamente. Homens como o pai, o vô, o tio, o irmão e o namorado. Como o amigo dos pais, o melhor amigo e o cara que nunca ninguém viu. Ainda assim o grito de tantas pessoas que buscam o bem coletivo jamais deixará de ecoar:

– ESSES NÃO PASSARÃO! ESTAMOS E ESTAREMOS SEMPRE NA LUTA!.

Foto: Thaísa Pucca