Minha pele quase sem cor dá indícios que já não sou a mesma. Meus lábios permanecem esbranquiçados. As olheiras fazem parte do meu semblante. E entre as estações revezo as perucas e os lenços coloridos. Ao olhar no espelho meu reflexo já não é o mesmo. Ou ainda é?!

Esses dias fui à janela tomar um ar, como de costume. Com um pente desembaracei meus cabelos. Uma das últimas mechas do cabelo se soltou. Foi levada pelo vento, flutuou por um instante pelo céu nublado, antes de cair no térreo do prédio.

O quarto com um pouco mais de 10m² é onde Zoe precisa permanecer por um tempo. Podia ter tudo o que ela queria. Menos cor. A decoração branca com variações de um azul desbotado era permanente. Tudo o que se tinha era uma TV pequena da época dos seus avós, uma cama de metal com colchões finos, um sofá de canto, o cateter que permanecia em suas veias e os cilindros de oxigênio.

A janela pequena aberta não deixava qualquer brisa refrescante entrar, só o calor opressivo de agosto vinha do concreto aquecido. O quarto ficava tão sufocante que fazia Zoe sentir o suor escorrendo pelas costas.

A jovem permanecia forte até onde dava. Até quando colocavam tubos em suas veias e a enchiam de substâncias químicas que faziam os ouvidos zumbirem e a pele ficar tão transparente que dava para ver por dentro. As veias em seus braços eram azul-escuras e finas e não levavam a lugar algum, como se alguém tivesse pegado uma caneta esferográfica e desenhado o diagrama de fiação em seu corpo, e depois esticado pele humana por cima do desenho.

Hoje estava tão mal que chegava a ser assustador. Tudo doía. A cabeça latejava, a visão estava embaçada e os ossos doíam como se estivesse no meio de uma longa caminhada com o tempo gelado, e a chuva caindo cada vez mais forte. Ondas de enjoo passavam pelo seu corpo, causando arrepios de frio.

Às vezes, sem mais nem menos, sua boca secava e o coração batia acelerado como se tivesse tomado uma injeção de adrenalina. Cada molécula do seu corpo entrava em grande agitação. Crises de ansiedade que pareciam derreter suas entranhas. Logo em seguida vinha o cansaço. Suas pernas tremiam e ficavam moles, como um réptil esperando pelo calor do sol.

As visitas eram frequentes. Amigos e familiares. Isso a animava. Ao ouvir o pequeno rugido da porta, com as dobradiças lubrificadas, que se abria com facilidade, colocava um sorriso no rosto. Nem sempre era assim. Às vezes era impossível. É importante para ela não deixar todos preocupados. Era mais difícil para eles.

Preferia dormir a maior parte do tempo. Assim os dias passavam mais rápidos e se tornavam menos longos. Nos períodos de solidão despejava toda sua fraqueza em lágrima. Soluçava. Momentos tão intensos que  depois que as lágrimas se secavam e os olhos quase que cerravam de tão inchados, sentia uma dor de cabeça terrível, e uma dor lancinante nas entranhas e na lateral da barriga, que a fazia sentir vontade de se encolher em posição fetal.

As duas horas de passeio que tinha se transformavam em seis e então chegavam ao fim. Assim como a vida durava até você ficar muito velho, com noventa por cento de probabilidade. Ou por mais alguns meses, que eram os outros dez por cento. Estar ali duraria o tempo que durasse. Era assim que tinha que ser. Mas sabia que sua aparência frágil contradizia com a força que tinha.

Zoe sabia que isso não era o fim de uma história. Mas o começo de uma vida que ficaria marcada para sempre!

Crédito foto: Blog Elegante Eu